acordar
acordo de mais um pesadelo recorrente
onde as cicatrizes se rompem uma e outra vez
onde as boas recordações nunca passam de sonhos singulares
sem carne rasgada por metal retorcido
sem vértebras estilhaçadas
…acordo para a noite.
queria poder dizer-te
que corri para casa para que ninguém me visse chorar
lapsos ii (pesadelos recorrentes)
vii
do fundo da minha apatia observo a avalanche de lixeira humana que por mim passa.
atropelam-se escadas acima como ratos em fuga das cheias.
vi
escrevo mas existe saliva nos espaços
entre as palavras que articulo.
v
acelerador a fundo através da cortina de nevoeiro
até que uma colisão frontal me obrigue a estacar.
iv
tento picar-te para saber se és real; dizes que sim.
não és.
iii
a última brisa da tarde, por mais indefinível que seja
levar-nos-á com ela.
ii
a cidade deserta. submersa na escuridão.
flutuo pelos seus túneis. nado à velocidade do desespero. afogo-me na noite.
i
enfim só. como sempre estive, afinal.
a familiaridade da solidão como o abraço que não tenho.
+
o homem, caído no chão.
os braços inertes ao longo do tórax. do crânio fendido brota um rio vermelho que alaga o passeio até escorrer para a sarjeta. a mulher, de joelhos. desarranjada. tenta estancar o sangue com as mãos. chora. os gestos são aflitivos. em vão.
o silêncio da hora de ponta deixa que o nome clamado seja ouvido.
lapsos i (sonhos singulares)
vii
uma abelha arrastava-se entre as pedras da calçada.
podia tê-la esmagado.
vi
só estaria bem em lado nenhum.
contigo.
v
perdido algures entre as luzes da cidade e
o ruído de estática na minha cabeça.
iv
tu e eu. abraçados. imóveis. em silêncio.
indiferentes à multidão de gente que passa por nós.
iii
se o que sinto fosse fome
enfardava até rebentar.
ii
não completas as minhas frases.
és cada palavra.
i
nas minhas mãos tudo se parte.
tudo são estilhaços.