as retinas riscadas pela
luz das suas mãos a
flutuarem sobre os meus
braços
.
luz das suas mãos a
flutuarem sobre os meus
braços
.
que é a última vez.)
parte
comigo.
caminho devagar pois nada me espera.
nada me espera a não ser a minha ausência.
queria pegar neste momento como se pega numa fotografia e agrafá-lo aqui.
sinto-o como se fosse a sua ausência.
a sua ausência tão presente.
sinto-a como se fosse a sua mão.
a minha violência é proporcional ao quão pejados de ódio estão os meus pulmões. |
detesto-te. não podia ser mais simples. |
achas mesmo que me consegues roubar? |
eu não tenho nada. eu não. tenho nada. nada. |
como me podes roubar? |
vem. dá-me um murro pontapés. amassa-me os ossos parte-me a cara o nariz os olhos as trombas todas desfeitas em sangue |
|
os dentes todos e s p a l h a d o s pelo chão. como se riem de ti. |
estimo bem que te fodas. |
(2000)
é ao cheiro seco da desesperança que as pontas dos
dedos sabem após esgravatarem a gangrena de mais um dia.
ávidos de asfalto, os faróis rasgam a escuridão. iluminam o desfile matemático do traço descontínuo. só o ruído incessante do motor me prende ainda à realidade.
a meu lado ela dorme, a cabeça pendendo ligeiramente na minha direcção. os sapatos tombados diante dos pés tão finos. descaída pelo braço, a alça do vestido. negro como as pálpebras esborratadas pelo rimmel.
uma tranquilidade aparente fá-la esquecer a angústia com que arrancava a roupa às gavetas e a amarrotava na mala. os dedos trémulos. enquanto continha o choro. antes que fôssemos ouvidos.
sinto ainda o ímpeto com que me tomou a mão e a estreitou com força.
“vamos?…”
a voz embargada, como que à espera da certeza de termos já ultrapassado o ponto sem retorno.
toco-lhe os antebraços abandonados no colo. levemente. vamos. prometo-lhe.
conduzo há tanto que já me não lembro de qual o destino.
não gosto de praia. “vamos só à tardinha… ver o pôr do sol.”
já a frescura mansa do mar percorria o areal quando chegámos. sem trocarmos uma palavra dirigimo-nos para a zona mais recatada da praia. a orla das dunas a resguardar-nos as costas do vento.
dobras os joelhos, cinges as pernas nos braços, enterras os pés na areia. deleitada.
por minutos observamos o mar. em silêncio. dos grupos de pessoas dispersos na distância apenas nos chega um ou outro riso indistinto intercalado pelo rebentar periódico das ondas.
olhas-me demoradamente. de súbito levanta-se um vento incómodo que insiste em arremessar areia pelo ar. escondes a cara nos meus braços. “contigo aqui o sol bem podia nunca se pôr”, ouço-te dizer.
deixamo-nos ficar. para lá das dunas a vila anoitece. acendem-se os primeiros candeeiros públicos. o jantar pode esperar.
podíamos correr praia fora. mergulhar nas ondas cada vez mais sombrias. deixar os corpos a escorrerem sal desabarem na calidez da areia. numa vertigem. esticando os incontáveis fins de tarde de julho que nunca tivemos.
mas não. deixamo-nos ficar. o sol misturado no vento como ouro gasoso a sulcar o teu cabelo. revolto. o rebentar das ondas. compassado. sabes?
contigo aqui o sol bem podia nem sequer existir.