se eu soubesse que era o fim
tinha esperado mais um segundo
mais um segundo para ter esperança
de sermos felizes até ao
fim
tinha esperado mais um segundo
mais um segundo para ter esperança
de sermos felizes até ao
fim
as nossas mãos que encaixavam uma na outra. os momentos em que ouvíamos o silêncio e era como se tudo disséssemos. ou o vento a desordenar o teu cabelo…
a pessoa a quem avisava que tinha chegado bem a casa
tudo fiz para que ela não fosse
mas ela nada fez para ficar
deixei-me escorrer até ao rio
se chovesse na chuva me teria dissolvido
sobre a água planei
se chovesse na chuva as lágrimas se teriam diluído
contra os faróis com pressa de chegarem a casa
caminho sozinho
e ninguém me segue. para lá do horizonte espera-me a noite
caminho sozinho
até me deixar ficar para trás
projectam-se sentimentos na tela da memória. queria agarrá-los, poder sentir a sua doce suavidade ou dura aspereza nos dedos. guardá-los no bolso, levá-los para casa, coleccioná-los em caixas de fósforos vazias.
mas rapidamente se evolam; nada deixam para trás a não ser o vazio da sua abstracta existência. tudo o que levo para casa é o frio da noite que tarda em cair.
como é reconfortante
num ápice o mundo poder acabar
num choque frontal faíscas metal retorcido
mas
neste momento tudo ser sereno
neste fim de tarde de fim de verão
no doce e arrepiante abraço da noite
no melancólico contorno das serras
que com a lentidão do que tem que ser
se vai esbatendo no céu
de aqui a pouco acaba o dia
não fiz nada.
também, que coisa é que faria?
fosse a que fosse, estava errada.
de aqui a pouco a noite vem.
chega em vão
para quem como eu só tem
para o contar o coração.
e após a noite e irmos dormir
torna o dia.
nada farei senão sentir.
também que coisa é que faria?
fernando pessoa
até ao desvario do infinito tudo se calou
das tuas mãos é fabricado o mistério de seres mulher
não te ouço
quero tanto ouvir-te
mas tudo o que vejo
é o silêncio por ti articulado
o silêncio por ti articulado.
deixa-me lembrar-te só a ti.
aproximaste-te a medo, como se não fosse também esse o meu desejo.
a pouco e pouco caíste desamparada no meu peito que desajeitadamente se transformou num tímido abraço.
só então disseste posso?, sinto-me bem assim e eu estremeci por dentro e para dentro pensei que também me sentia bem assim.