“se fôssemos à praia?”
não gosto de praia. “vamos só à tardinha… ver o pôr do sol.”
já a frescura mansa do mar percorria o areal quando chegámos. sem trocarmos uma palavra dirigimo-nos para a zona mais recatada da praia. a orla das dunas a resguardar-nos as costas do vento.
dobras os joelhos, cinges as pernas nos braços, enterras os pés na areia. deleitada.
por minutos observamos o mar. em silêncio. dos grupos de pessoas dispersos na distância apenas nos chega um ou outro riso indistinto intercalado pelo rebentar periódico das ondas.
olhas-me demoradamente. de súbito levanta-se um vento incómodo que insiste em arremessar areia pelo ar. escondes a cara nos meus braços. “contigo aqui o sol bem podia nunca se pôr”, ouço-te dizer.
deixamo-nos ficar. para lá das dunas a vila anoitece. acendem-se os primeiros candeeiros públicos. o jantar pode esperar.
podíamos correr praia fora. mergulhar nas ondas cada vez mais sombrias. deixar os corpos a escorrerem sal desabarem na calidez da areia. numa vertigem. esticando os incontáveis fins de tarde de julho que nunca tivemos.
mas não. deixamo-nos ficar. o sol misturado no vento como ouro gasoso a sulcar o teu cabelo. revolto. o rebentar das ondas. compassado. sabes?
contigo aqui o sol bem podia nem sequer existir.