ávidos de asfalto, os faróis rasgam a escuridão. iluminam o desfile matemático do traço descontínuo. só o ruído incessante do motor me prende ainda à realidade.
a meu lado ela dorme, a cabeça pendendo ligeiramente na minha direcção. os sapatos tombados diante dos pés tão finos. descaída pelo braço, a alça do vestido. negro como as pálpebras esborratadas pelo rimmel.
uma tranquilidade aparente fá-la esquecer a angústia com que arrancava a roupa às gavetas e a amarrotava na mala. os dedos trémulos. enquanto continha o choro. antes que fôssemos ouvidos.
sinto ainda o ímpeto com que me tomou a mão e a estreitou com força.
“vamos?…”
a voz embargada, como que à espera da certeza de termos já ultrapassado o ponto sem retorno.
toco-lhe os antebraços abandonados no colo. levemente. vamos. prometo-lhe.
conduzo há tanto que já me não lembro de qual o destino.
Pedro Castro
Soa bastante convidativo… para alguém. 😉
paulo
excelente a forma como está escrito, como consegue capturar as emoções e como nos faz sentir que já passámos por uma situação similar.
Nikita
Adorei este texto. Quem pudesse fazer isto mesmo! Pegar no carro e partir, com um ele ou sem ele…
Escreves muito bem e consegues transmitir as emoções que pretendes.
susana
há dias em que ao ler algo tão próximo, embora de uma minha não-realidade, só me apetece dizer “obrigada”. enquanto podia falar da maneira como a descreveste. ou de como as palavras vão surgindo à superfície tão subtilmente que eu fico com vontade de as agarrar. está bonito isto, e pronto. acho que já está tudo aí.
toco-lhe os antebraços abandonados no colo. levemente. vamos. prometo-lhe.
inês
eu não devia ler estas coisas (i keep repeating to myself)
Vanessa
🙂
Beijo*
marta
ai, pronto não comento. /me cruza os braços e faz beicinho.
da.
…conduzimos há tanto tempo, que o tempo já o perdemos..e de onde vimos também já não sabemos…
paulo ribeiro
obrigado mais uma vez por todo o feedback positivo!
inês: provavelmente tanto quanto eu não as deveria escrever…
MaDi
Mas alguma vez sabemos qual é o destino?